Carlos Araújo é um homem de duas paixões: política e mulheres. Nos últimos 50 anos, viveu ambas intensamente. Agora, o ex-marido da presidente Dilma Rousseff fala sobre seus amores – e traições - em plena luta contra o regime militar
Somente quando leu nos jornais as notícias a respeito da prisão da
namorada, em janeiro de 1971, foi que ele soube o verdadeiro nome da
garota com quem vinha mantendo uma relação afetiva havia cerca de dois
anos: Dilma. Até ali, o casal se tratara, tanto na intimidade quanto
perante os companheiros de movimento, apenas pelos respectivos
codinomes: “Max” e “Estela”.
Era um cuidado autoimposto pelos que viviam na clandestinidade no instante em que a ditadura promovia sessões sistemáticas de tortura para obter informações por meio de unhas arrancadas, afogamentos em tanques de água, choques elétricos nos órgãos genitais e introdução de cassetetes de madeira com estrias no ânus dos prisioneiros. Em caso de serem pegos pelas forças da repressão – como acabara de acontecer com Estela, ou melhor, com Dilma –, quanto menos soubessem a respeito da identidade um do outro, melhor seria para eles próprios e, por extensão, para os destinos da causa que haviam abraçado.
O gaúcho Carlos Franklin Paixão Araújo, o Max, à época com 30 anos, conhecera a mineira Dilma Vana Rousseff, de apenas 21, pouco depois do Carnaval de 1969, no Rio de Janeiro, em uma das reuniões preparatórias para a formação da organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR–Palmares). A diferença de quase dez anos de idade contribuiu para despertar a atração mútua. Ele logo se entusiasmou com aquela moça de personalidade forte, que sabia de cor trechos de autores marxistas e abrigava um olhar altivo, um tanto quanto presunçoso, por trás da armação pesada e das grossas lentes de míope. “Era uma mulher atraente, que já havia lido uma boa quantidade de livros para a idade dela”, relembra Araújo. Dilma, por sua vez, encantou-se com a liderança exercida por Carlos sobre o enxame de ativistas que orbitava ao seu redor.
Era um cuidado autoimposto pelos que viviam na clandestinidade no instante em que a ditadura promovia sessões sistemáticas de tortura para obter informações por meio de unhas arrancadas, afogamentos em tanques de água, choques elétricos nos órgãos genitais e introdução de cassetetes de madeira com estrias no ânus dos prisioneiros. Em caso de serem pegos pelas forças da repressão – como acabara de acontecer com Estela, ou melhor, com Dilma –, quanto menos soubessem a respeito da identidade um do outro, melhor seria para eles próprios e, por extensão, para os destinos da causa que haviam abraçado.
O gaúcho Carlos Franklin Paixão Araújo, o Max, à época com 30 anos, conhecera a mineira Dilma Vana Rousseff, de apenas 21, pouco depois do Carnaval de 1969, no Rio de Janeiro, em uma das reuniões preparatórias para a formação da organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR–Palmares). A diferença de quase dez anos de idade contribuiu para despertar a atração mútua. Ele logo se entusiasmou com aquela moça de personalidade forte, que sabia de cor trechos de autores marxistas e abrigava um olhar altivo, um tanto quanto presunçoso, por trás da armação pesada e das grossas lentes de míope. “Era uma mulher atraente, que já havia lido uma boa quantidade de livros para a idade dela”, relembra Araújo. Dilma, por sua vez, encantou-se com a liderança exercida por Carlos sobre o enxame de ativistas que orbitava ao seu redor.
Por ironia do destino, enquanto o primeiro esposo de Dilma Rousseff
partia para a capital gaúcha, seu futuro segundo marido fazia o caminho
inverso, saindo de Porto Alegre para o Rio. Carlos Araújo, uma das
lideranças encarregadas de organizar a VAR-Palmares, também deixara para
trás um casamento desfeito. Separara-se da arquiteta Vânia Abrantes –
que lhe deu o primeiro filho, Leandro. Com sua proverbial fama de
galanteador, passou a colecionar alguns romances efêmeros e casuais,
antes e depois de chegar ao Rio de Janeiro.
Carlos Araújo e Dilma Rousseff passaram a morar juntos, vendo-se forçados a trocar de endereço de tempos em tempos devido às contingências da vida de clandestinos políticos. Participaram ativamente, no plano estratégico, de inúmeras ações para arrecadação de fundos para o movimento. Incluídos aí o planejamento de assaltos a bancos e, em julho de 1969, o roubo espetacular do cofre deixado pelo ex-governador paulista Adhemar de Barros – o autor do lema “rouba, mas faz” – na mansão da amante do político, Ana Capriglione, no bairro carioca de Santa Teresa. No interior do cofre, havia cerca de US$ 2,5 milhões, assumidos como “expropriação revolucionária”.
A ousadia das ações da VAR-Palmares fez com que os órgãos de repressão fechassem o cerco contra o grupo.Para escapar da caçada humana, muitos militantes tiveram de ser deslocados para outras cidades. Dilma foi mandada para São Paulo, enquanto Araújo permaneceu no Rio, no comando nacional do que restara da ala sob sua influência. Cerca de 90 dias após chegar à capital paulista, em janeiro de 1970, Dilma foi alvo de uma emboscada. Recebera uma mensagem para “cobrir um ponto” – um jargão da esquerda que significava ir ao encontro de um companheiro em lugar combinado. Ao chegar ao local, numa esquina do centro da cidade, foi abordada por policiais. O remetente da mensagem já estava preso e, sob tortura, entregara alguns dos camaradas, incluindo “Estela”, que passara a adotar também os codinomes de “Vanda” e “Luiza”.
Dilma foi submetida à tortura durante 22 dias no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, o tenebroso DOI-CODI, apelidado pelos militares, com macabra ironia, de “Casa da Vovó”. Arrancaram-lhe as roupas e a colocaram no pau-de-arara. Prenderam garras elétricas em várias partes de seu corpo – pés, mãos, coxas, orelhas e bicos dos seios – e sujeitaram-na a uma bateria interminável de choques. Após cada uma das sessões em poder dos torturadores, ela era atirada ao chão sujo e fétido de um banheiro de azulejos brancos e encardidos por restos de fezes, sangue e urina. Em seguida, penduravam-na de novo no pau-de-arara e recomeçavam o suplício. Como consequência, Dilma foi vítima de uma grave hemorragia. Foi mandada, esvaindo-se em sangue pela vagina, para o Hospital Central do Exército e depois transferida para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Quando soube da prisão da companheira, Araújo rumou para São Paulo. Alugou a edícula de uma casa no Jardim Japão, bairro da periferia paulistana, e decidiu perambular diariamente pelas imediações do Largo do Arouche, tradicional ponto de encontros secretos da militância. Numa manhã, viu passar a ativista Maria Celeste Martins, que por coincidência dividira com Dilma, antes desta ser presa, um quarto de pensão no Brás. “Ela me contou que Dilma se mantinha firme, sem entregar ninguém, e que estava no DOPS”, relembra Araújo.
Carlos Araújo e Dilma Rousseff passaram a morar juntos, vendo-se forçados a trocar de endereço de tempos em tempos devido às contingências da vida de clandestinos políticos. Participaram ativamente, no plano estratégico, de inúmeras ações para arrecadação de fundos para o movimento. Incluídos aí o planejamento de assaltos a bancos e, em julho de 1969, o roubo espetacular do cofre deixado pelo ex-governador paulista Adhemar de Barros – o autor do lema “rouba, mas faz” – na mansão da amante do político, Ana Capriglione, no bairro carioca de Santa Teresa. No interior do cofre, havia cerca de US$ 2,5 milhões, assumidos como “expropriação revolucionária”.
A ousadia das ações da VAR-Palmares fez com que os órgãos de repressão fechassem o cerco contra o grupo.Para escapar da caçada humana, muitos militantes tiveram de ser deslocados para outras cidades. Dilma foi mandada para São Paulo, enquanto Araújo permaneceu no Rio, no comando nacional do que restara da ala sob sua influência. Cerca de 90 dias após chegar à capital paulista, em janeiro de 1970, Dilma foi alvo de uma emboscada. Recebera uma mensagem para “cobrir um ponto” – um jargão da esquerda que significava ir ao encontro de um companheiro em lugar combinado. Ao chegar ao local, numa esquina do centro da cidade, foi abordada por policiais. O remetente da mensagem já estava preso e, sob tortura, entregara alguns dos camaradas, incluindo “Estela”, que passara a adotar também os codinomes de “Vanda” e “Luiza”.
Dilma foi submetida à tortura durante 22 dias no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, o tenebroso DOI-CODI, apelidado pelos militares, com macabra ironia, de “Casa da Vovó”. Arrancaram-lhe as roupas e a colocaram no pau-de-arara. Prenderam garras elétricas em várias partes de seu corpo – pés, mãos, coxas, orelhas e bicos dos seios – e sujeitaram-na a uma bateria interminável de choques. Após cada uma das sessões em poder dos torturadores, ela era atirada ao chão sujo e fétido de um banheiro de azulejos brancos e encardidos por restos de fezes, sangue e urina. Em seguida, penduravam-na de novo no pau-de-arara e recomeçavam o suplício. Como consequência, Dilma foi vítima de uma grave hemorragia. Foi mandada, esvaindo-se em sangue pela vagina, para o Hospital Central do Exército e depois transferida para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Quando soube da prisão da companheira, Araújo rumou para São Paulo. Alugou a edícula de uma casa no Jardim Japão, bairro da periferia paulistana, e decidiu perambular diariamente pelas imediações do Largo do Arouche, tradicional ponto de encontros secretos da militância. Numa manhã, viu passar a ativista Maria Celeste Martins, que por coincidência dividira com Dilma, antes desta ser presa, um quarto de pensão no Brás. “Ela me contou que Dilma se mantinha firme, sem entregar ninguém, e que estava no DOPS”, relembra Araújo.
Decidido a permanecer na capital paulista, ele passou a articular uma
célula de estudantes universitários e secundaristas de São Paulo.
Dedicava-se à atividade quando, certo dia, alguns rapazes do grupo lhe
revelaram que “uma pessoa bastante famosa” fizera contato com eles, a
partir do Rio de Janeiro, pedindo para ingressar no movimento. Não
podiam dar detalhes, mas asseguravam que isso representaria um grande
ganho para a causa, dada a posição social e o reconhecimento público da
personalidade em questão.
Curioso, mas precavido, Araújo foi ao Rio de Janeiro ao encontro da
misteriosa figura. Marcou-se uma reunião no Hotel Miramar, em
Copacabana, onde já estava reservado um quarto para ele, que passou a
noite no local. Às 7h da manhã foi acordado por um homem batendo à porta
e instruindo-lhe a ir para a suíte da frente, onde ocorreria a
conversa. “Concordei. Lá dentro, deparei-me com uma mulher lindíssima”,
suspira ele, ainda hoje, ao recordar a cena. “Haviam me dito que ela era
famosa, mas eu não tinha a menor ideia de quem se tratava.”
Depois do primeiro contato, seguiu-se uma série de outras reuniões.
Como de praxe, ninguém revelou os verdadeiros nomes. Dias mais tarde,
ela tornou a procurá-lo. Combinaram desta vez um encontro em uma pacata
pracinha e Araújo, ao vê-la, percebeu sua voz trêmula e as lágrimas nos
olhos. O assunto da conversa, na ocasião, não foi a revolução
socialista. A moça estava inconsolável. O noivo havia sido enviado pela
família para a Europa, com o propósito de afastá-lo de “influências
ideológicas negativas”. A beldade, em resumo, tinha sido abandonada.
Carlos Araújo, que hoje confessa ter se sentido fortemente atraído por
ela desde o primeiro momento, a consolou. Tornaram-se cada vez mais
próximos. Em uma determinada tarde, após almoçarem em um boteco,
concordou em levá-la para conhecer seu refúgio no Jardim Japão.
“Improvisei um jantar no fogãozinho de duas bocas e tomamos um vinho
barato”, conta ele. “Foi encantador, apesar daquele cenário paupérrimo e
da comida horrível.” Acordaram na manhã seguinte decididos a se
permitir uma breve pausa na militância e passar três dias, sozinhos, em
uma praia de São Vicente. Antes de partir, porém, Araújo precisava
“cobrir um ponto” em frente ao estádio do Palmeiras, marcado para aquele
mesmo dia. Ele e a moça tomaram um táxi e, cerca de 50 metros antes do
local, ela desembarcou. Araújo desceu do carro em seguida e, mal pôs os
pés na calçada, os policiais caíram sobre ele. O companheiro que
agendara o encontro, na verdade, estava preso. Aquilo era uma emboscada.
Caíra na mesma armadilha em que Dilma fora apanhada.
Araújo mentiu aos torturadores. Garantiu que tinha um “ponto” a cumprir
com Lamarca. Os homens do delegado Sérgio Fleury, apontado como um dos
principais responsáveis pela prática de torturas durante a ditadura,
acreditaram na história e levaram o prisioneiro até o suposto lugar do
encontro, a movimentada Rua Clélia, na Lapa. Dezenas de automóveis
passavam em alta velocidade pelo local e, em um gesto premeditado,
Araújo escolheu saltar e se atirar debaixo das rodas de uma Kombi.
Estatelado no asfalto, foi transportado para o Hospital das Clínicas,
onde os médicos e as freiras impediram o prosseguimento das sessões de
tortura. De volta à cadeia, chegou-lhe às mãos um exemplar da Folha de S.Paulo,
no qual viu a foto da mulher que lhe arrebatara o coração pouco antes
de ser preso. Só então ficou sabendo que ela era Bete Mendes, estrela da
novela Beto Rockfeller (1968), estrondoso sucesso da TV Tupi à época.
Embora fosse uma celebridade televisiva, Bete também acabou sendo presa –
e vítima de torturas – naquele ano. Procurada pela GQ,
a atriz disse por meio da assessoria que a agenda de compromissos
profissionais a impediria de conceder entrevistas sobre o assunto.
Na prisão, Carlos Araújo escreveu uma mensagem para Dilma. Redigida com
letra quase microscópica, em um pedacinho de papel depois dobrado
dentro de um chiclete, a “carta” chegou à destinatária no interior da
boca de um portador de confiança. Em poucas palavras, Araújo comunicava
estar vivo e confessava, constrangido, o caso fugaz de infidelidade.
No final de 1970, ele e Dilma puderam se reencontrar brevemente, no
presídio da Ilha das Flores, no Rio, na fase de depoimentos do inquérito
no qual foram indiciados por crimes de subversão. Meses depois, em
1971, voltaram a ficar sob o teto de uma mesma casa de detenção, o
Presídio Tiradentes, em São Paulo, enquanto aguardavam julgamento.
Conseguiram uma declaração de que, antes da prisão, viviam em
“concubinato marital”. Com isso, tiveram direito a encontros íntimos e
reataram a relação. Em 1972, o Superior Tribunal Militar fixou a pena de
Dilma em dois anos e um mês de prisão. Como ela estava detida havia
quase três anos, foi posta em liberdade. Carlos, condenado a quatro
anos, seguiu preso até 1974, quando foi solto no mesmo dia em que o pai,
Afrânio Araújo, morreu de infarto fulminante.
Atualmente, Araújo mora na casa que era do pai, em Porto Alegre, às
margens do Rio Guaíba. Foi nessa mesma casa que ele e Dilma viveram
juntos a partir de sua saída da cadeia. Em 1976, nasceu a filha única do
casal, Paula Rousseff de Araújo. O casamento perdurou até 1994, quando
um caso extraconjugal do marido azedou o relacionamento. Dois anos
depois, ainda ensaiaram uma volta. Em 2000, decidiram que era hora de
pôr um fim definitivo à união.
Hoje, Dilma Rousseff e Carlos Araújo são amigos íntimos. Em Porto
Alegre, há quem o considere uma espécie de conselheiro político da
presidente. Ele – eleito três vezes deputado estadual pelo PDT gaúcho,
do qual foi um dos fundadores – nega. “Sou mais um ouvido atento do que
um consultor”, afirma. Entretanto, sabe-se que ele e a filha Paula foram
os primeiros a receber, em 2008, a confirmação oficial de que Dilma
aceitara o convite do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para
concorrer à presidência da República. Os amigos de Araújo garantem que o
telefone da casa às margens do Guaíba tem linha livre com o Palácio do
Planalto.
A propósito da solidão, Carlos Araújo, aos 77 anos, cultiva ideias
próprias sobre o tema. Vive com o filho caçula, Rodrigo, e está casado
novamente, agora com a arquiteta Ana Lúcia Meira. Porém, marido e mulher
vivem em casas diferentes e passam juntos os finais de semana.
“Cuido muito da saúde e da alimentação”, diz ele, que enfrenta as
sequelas de um enfisema pulmonar. “Vou viver 100 anos”, promete. “E pode
ter certeza de que, mesmo velhinho, estarei sentado ali, de mãos dadas a
uma velhinha”, brinca. “Sempre gostei muito de mulher. Ganhei e perdi
muita coisa na vida, talvez por causa disso”, sugere. “Mas não me
arrependo.” Não é à toa que o outro sobrenome dele, além de Araújo, seja
Paixão.
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