quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Estórias de minha infância...

Um infeliz namorava uma linda moça numa fazenda depois do cemitério do nosso Povoado. Diziam que o infeliz tinha medo até da própria sombra. Mas, a moça era tão bonita que ele trancava a respiração e passava zunindo pela rodovia e nem olhava para o portão do cemitério quando vinha sozinho da casa dela. Ou, então, esperava alguém que viesse para o Povoado ficando de plantão na beira da estrada… e se não aparecesse ninguém… bem, criava “corage” e amassava cascalho passando como vento pelo cemitério.
Para ir, tudo bem! Mas na volta sua calça enchia! Tinha que voltar por volta de no máximo dez horas da noite, bem antes da meia-noite! Era difícil de atravessar aqueles cem metros em frente ao cemitério. Parecia que os passos não rendiam e só cascalho rolando debaixo dos pés, qualquer ventinho, qualquer morcego ou coruja que atravessava na frente. Santo Deus, era promessas e mais promessas para cumprir no outro dia!
Segundo contavam os antigos à meia-noite as almas penadas saiam do cemitério e rondavam tudo por ali! E tinha gente que jurava que já havia visto algumas coisas.
Então, depois de três meses de namoro já se beijava à vontade, já se relava à vontade e a cada dia suas mãos “mapiava” mais ainda aquele corpo jovem e ardente. A mocinha já tava ficando mansinha igual mulher quando quer dinheiro de marido.
Então… voltar às dez horas da noite passou para dez e meia… onze… onze e meia… e o namoro tava fervendo. Já se fazia quase de tudo e não se via a hora passar e aqueles momentos de carícias compensavam o medo da volta!
Bão, né! Fim de semana… vigilância vai relaxando… alpendre meio escuro… e a bananeira deu cacho… a jurupoca piou… a vaca foi pro brejo e o tempo passou… como também o sino da igreja fez com que a roseira murchasse, o papagaio emudecesse e a bica d’água secasse! Meia-noite no prego!!!
Num gesto automático guardou a “matula” de qualquer maneira abotoando a braguilha toda errada e nem olhou para trás para ver o beijo carinhoso que a amada lhe mandava. E pé na estrada! Só se ouvia o farfalhar de cascalho debaixo dos pés na estrada de chão… e ele pensando:
…”Bem… Meia-noite! O relógio da igreja pode tá adiantado… alguém já havia dito isso… e ninguém sai assim por aí de supetão… Até ispreguiçá primeiro, tomá um banho, iscová os dentes, trocá de roupa… gastava-se uns vinte minutos ou mais! Tranqüilo! Dava tempo de chegar até lá e atravessar aqueles malditos cem metros em frente ao cemitério!”
E só cascalho amassado pela estrada e a respiração trancada desde a saída da casa da namorada! E promessas e mais promessas pra cumprir no outro dia!
O sino da igreja repicou novamente! Já via o cemitério e as luzes do Povoado, como também o barulho de alguém amassando cascalho pela estrada atrás dele. Graças a Deus! “Num tava suzinho!” — pensou — Tinha companhia para passar em frente ao cemitério e pôde então soltar a respiração!
Olhou para trás! A lua estava clara e então viu uma jovem vestida de branco caminhando apressadamente na mesma direção do Povoado! Parou e esperou cumprimentando aquela moça corajosa… e logo uma pergunta óbvia!
— Ocê, uma moça bunita assim, não tem medo de andá suzinha esta hora da noite, não?
— Quando eu era viva eu tinha! — disse ela, entrando para o cemitério.
Dizem que ele teve que lavar bem as roupas a semana inteira… A calça encheu!

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